Quando se fala em infecção, é comum pensarmos nos micro-organismos mais comumente comentados e presentes em nosso cotidiano, como as bactérias e os vírus. Há, porém, uma classe de agentes infecciosos ainda menores que, embora desprovidos de ácidos nucléicos ou vida, são capazes de causar grandes estragos nos sistemas nervosos humano e animal: os príons.
Primeiramente, é preciso entender que existe uma proteína príon normal, naturalmente presente na membrana celular dos neurônios do SNC. Esta proteína normal, ou PrPc (de proteína príon celular), pode ser convertida em uma proteína anormal patogênica, ou PrPSc (de proteína príon Scrapie), pelo contato com uma outra proteína patogênica ou ainda por alterações genéticas. As duas proteínas, normal e patogênica, possuem sequências de aminoácidos semelhantes, porém há uma grande discrepância entre suas estruturas conformacionais, sendo a proteína normal apresentada na forma de alfa-hélice e a proteína patogênica apresentada na forma de folha-beta. Basicamente, o contato entre as duas muda a estrutura conformacional da PrPc, transformando-a em PrPSc.
A PrPc não possui uma função conhecida atualmente, mas de qualquer modo, quando é convertida em PrPSc e desprende-se da membrana celular, é sintetizada novamente pelo neurônio para substituir a proteína que desprendeu-se. Este é um círculo vicioso, no qual há cada vez mais PrPSc para converter em patogênicas as proteínas normais, que são logo substituídas para novamente serem convertidas e assim por diante.
O acúmulo de PrPSc no SNC constitui estruturas chamadas de placas amilóides, que são tóxicas e ocasionam a morte do tecido nervoso, com formação de grandes vacúolos. Devido a estes vacúolos, que deixam o encéfalo com uma aparência esponjosa, as doenças causadas pelos príons são conhecidas como “encefalopatias espongiformes transmissíveis” ou TSE. Algumas destas doenças incluem o kuru, a síndrome de Creutzfeldt-Jakob e a encefalopatia espongiforme bovina (BSE), mais conhecida como “mal da vaca louca”. A perda de tecido nervoso causa principalmente demência, convulsões, tremores e perda de capacidade motora.
A transmissão de príons patogênicos se dá por contaminação proveniente de outros organismos infectados. O kuru, por exemplo,TSE que ocorria nos povos nativos da Nova Guiné, se dava pela ingestão de tecido nervoso humano. Acredita-se também que a BSE tenha surgido pela contaminação das vacas com príons provenientes de ovelhas que sofriam de Scrapie, uma encefalopatia espongiforme em versão ovina. As vacas eram alimentadas com uma ração feita com os restos de cadáveres de ovelhas mortas pelo Scrapie. Mesmo após todo o processamento para preparação da ração, as proteínas patogênicas continuavam presentes e passaram a atingir os bovinos que ingeriam a ração. Do mesmo modo, quando o ser humano ingerisse carne bovina contaminada, adquiriria os príons. Esta é uma das características que tornam os príons partículas extremamente infecciosas: eles podem atravessar as barreiras de espécies e infectar organismos distintos.
Outro exemplo de contaminação por príons é o consumo de hormônios de crescimento derivados de glândulas pituitárias humanas extraídas de cadáveres, além do transplante de córnea, sangue, enxerto de dura-máter e implantação de eletrodos no cérebro. A utilização de instrumentos cirúrgicos contaminados e outros equipamentos invasivos pode também proliferar os príons.
As TSEs podem inclusive desenvolver-se através de mutações no gene responsável pela produção de PrPc, que não desempenha função conhecida no organismo e, se inativado, torna o organismo resistente a PrPSc devido a incapacidade de “reprodução” da proteína patogênica na ausência da proteína normal. Uma doença que se desenvolve desta maneira é a “insônia familiar fatal”, que, como no nome, é hereditária, transmitida de pai para filho através do gene mutante.
Inicialmente, acreditava-se que as infecções por príons eram causadas pelos chamados “vírus lentos”, devido ao seu grande período de incubação, que pode ser de 3 a 35 anos em seres humanos.